“Confia no processo” é um termo que roubo da da incrível Aline Valek. Era o assunto de uma newsletter enviada anos atrás, se não me engano, sobre fazer zines. Sobre como era difícil recomeçar “do zero” a cada edição, restando nada mais do que “confiar no processo”. Confia, que no fim do mês tem outro zine chegando pra galera.
A frase ficou comigo, porque não acho que exista metáfora melhor para o fazer artístico do que essa. Criatividade? Superestimada. Tempo? Ninguém tem mesmo. O que o artista tem é o processo, e a capacidade de voltar a ele (Voltar é uma palavra importante, para lembrar que o processo nunca é linear). Às vezes feliz e revigorado, às vezes em farrapos. Existe magia na repetição, ou melhor na iteração, que pede uma sutil variação no mesmo tema.
Pensava nisso enquanto batia as paredes de taipa de pilão do barracão. Você monta a forma, prepara a massa, soca até compactar. Começa a subir as fiadas, dez centímetros de cada vez. E repete. E repete. É só isso que existe, a repetição. No meio do caminho você se pergunta “será que vai ficar bom?” Será que estou fazendo direito, a parede vai ficar em pé ou desmoronar? Só dá para saber como vai ficar depois de pronta, na desforma.

Mas estou amparado em um processo, que foi me ensinado pelos amigos do Matéria Base, testado durante décadas por diversas culturas do mundo inteiro. Confia no processo. Sobe a parede de taipa. E não é que cada parede, com seus pequenos defeitos que a torna única, ficou linda? Ainda estão cobertas de plástico para perderem umidade devagar, esperando eu terminar a cobertura. Eu mal posso esperar para vê-las todas juntas.
Às vezes me pergunto que é que estou fazendo aqui nesse Espaço Kabouter, construindo um barracão, em muitos momentos sozinho, em outros com a ajuda de duas ou três pessoas contratadas. Eu me pergunto se isso já não estaria pronto se eu tivesse terceirizado tudo. Ou ter escolhido um método construtivo mais tradicional, mais rápido. Ou se vai valer a pena todo esse esforço.
No fundo, eu sei que essas perguntas não têm resposta, porque não existe um jeito certo. Existem jeitos, filosofias, interesses. Eu quero que a arquitetura desse espaço reflita o que me move a construí-lo, fazer devagar, usar materiais simples e locais, botar a mão na massa, e principalmente, saber que tudo isso faz parte de um processo de reinvenção de um lugar. Uma reinvenção construída em parte por mim, em parte por todos que me ajudam nessa jornada, sejam arquitetos, professores, agrônomos, pedreiros ou, principalmente, amigos. E construída em parte pela Natureza, que cuida das árvores que plantei, que planta outras por conta própria, que escolhe quais sacrificar às formigas e quais vigorar.
É tudo parte do processo.
É por isso que passei a considerar o Espaço Kabouter como mais que um projeto ou um empreendimento, mas uma verdadeira prática artística, construída numa escala temporal maior do que qualquer coisa que já fiz. Quando trabalho com marketing, tenho que criar hoje para publicar amanhã. Dias, quando muito semanas. O Espaço Kabouter vai levar anos.
Existe essa pedrinha no meu sapato, e acho que de todo artista: será que isso tudo vai dar dinheiro o suficiente para sustentar minha família? Sonho não coloca comida na mesa. O boleto da escola das crianças chega todo mês, não daqui a alguns anos.
Às vezes me bate um desespero pensar nisso, no que foi que me enfiei? Olhar meu bosque de mudas, pensar que aquela mangueira plantada ali vai frutificar só daqui a cinco anos. Que não tenho certeza se vou conseguir terminar o barracão este ano. E depois tem a construção dos chalés, a organização dos cursos, talvez uma horta, quem sabe galinhas, um parque para crianças, enfim. Nunca vai estar pronto. O espaço, por design, vai estar sempre em construção, uma entidade viva em constante evolução, caminhando junto com a natureza do entorno. Ou seja, vai estar sempre no meio de algo. Termina uma coisa começa outra.
Confia no processo. Vai dar certo.
